Lesão do LCA
Entenda o que é o LCA, como pode ser lesionado e saiba mais detalhes sobre como é feito o diagnóstico e o tratamento desta lesão, incluindo procedimentos cirúrgico, quanto o período de recuperação e reabilitação.
O que é o LCA?
Um dos quatro principais ligamentos do joelho, o ligamento cruzado anterior (LCA) é uma estrutura presente dentro da articulação (intra-articular), que ajuda a garantir a estabilidade dinâmica do joelho, ao restringir os movimentos de translação anterior da tíbia (escorregamento para frente do osso da perna, a tíbia, em relação ao osso da coxa, o fêmur) e movimentos rotacionais da tíbia em relação ao fêmur.
Como ocorre a lesão do LCA e quais são os sintomas?
A ruptura do LCA é uma das lesões mais frequentes na prática esportiva e geralmente envolve um movimento combinado de flexão + angulação do joelho para dentro (movimento de estresse em valgo) e rotação da perna sobre a coxa.
Na maioria dos casos, é possível escutar um estalo, atribuído ao impacto da tíbia contra o fêmur. Após o entorse, a pessoa apresenta dor, limitação funcional, dificuldade para apoiar e inchaço no joelho. Por se tratar de um ligamento intra-articular, o edema (inchaço) está presente dentro da cavidade articular e este sinal clínico ajuda o médico a diferenciar de uma lesão extra-articular, como a ruptura do ligamento colateral medial (LCM).
Quando a ruptura do LCA é isolada, após algumas semanas o inchaço e a dor regridem, parecendo que o problema já está resolvido. A pessoa consegue caminhar e realizar suas atividades profissionais, mas não se sente segura para retornar à atividade física ou para realizar movimentos giratórios. Eventualmente sente-se algum falseio no joelho em movimentos como descer do ônibus, ou se levantar da cadeira. Algumas vezes estes episódios de falseio provocam dor e inchaço por alguns dias, e isto pode representar novas lesões articulares (de cartilagem ou nos meniscos) que estejam ocorrendo em função da instabilidade.
Outros sintomas podem se manifestar, caso outras lesões estejam presentes. A ruptura meniscal é uma das lesões associadas mais frequentes. De acordo com qual menisco é acometido e com o padrão da lesão, podem ocorrer dor, inchaço, estalidos e até bloqueio (travamento) articular. Outras lesões possíveis são lesões de cartilagem e lesões combinadas de ligamentos.
Como é feito o diagnóstico?
Na consulta com o especialista a história típica irá conduzir o médico para a hipótese de ruptura do LCA. Após a conversa, o médico poderá constatar instabilidade no joelho, através de algumas manobras clínicas. Usualmente em atendimentos em unidades de emergência, radiografias do joelho são realizadas para descartar outras lesões, como fraturas ou deslocamentos (luxação). Já em caráter ambulatorial, a ressonância magnética é o exame padrão ouro para detectar alguma lesão ligamentar, além de avaliar os meniscos ou lesões de cartilagem.
Toda lesão do LCA precisa operar?
Por estar envolvido por líquido sinovial (o que dificulta a formação de um coágulo), este ligamento apresenta uma baixa capacidade de cicatrização. Por isso, a regeneração e a recuperação da função do LCA não são esperadas após uma ruptura. Apesar disso, nem todo paciente com este problema é candidato para a cirurgia. Algumas pessoas não apresentam queixas de instabilidade (falseios) e não têm a pretensão de retornar a atividades esportivas de risco. Outras pessoas podem já apresentar desgaste (artrose ou osteoartrite) do joelho e também não se beneficiariam do procedimento cirúrgico. Nestes casos de tratamento conservador, busca-se recuperar a mobilidade do joelho, trabalhar o equilíbrio / propriocepção e fortalecer a musculatura da coxa, do quadril e do core.
Contudo, a grande maioria dos pacientes são indivíduos que buscam a recuperação da estabilidade do joelho, para poder retomar as atividades que realizavam previamente ao trauma. Outra questão relevante é que a recuperação da estabilidade do joelho previne o aparecimento de novas lesões secundárias (lesões meniscais e de cartilagem), além da possibilidade de já tratar estas lesões durante o mesmo ato cirúrgico. Por este fator, alguns autores propõem que o tratamento cirúrgico reduz a chance do desenvolvimento futuro de artrose (osteoartrite) do joelho.
Quando devo operar o LCA rompido?
A ruptura do LCA não é uma emergência ortopédica, mas realizar o tratamento de forma precoce abrevia o retorno ao esporte e reduz a chance de novas lesões decorrentes da instabilidade do joelho. Há discussão na comunidade científica sobre qual o período mais adequado para a cirurgia. Porém, a maioria dos autores concorda que a recuperação do arco de movimento do joelho (incluindo a hiperextensão), a ativação do músculo quadríceps e a redução do derrame articular são fatores protetores para um melhor resultado pós-operatório. Em geral, esta recuperação é possível de ser alcançada em poucas semanas, especialmente com o acompanhamento pré-operatório de um fisioterapeuta.
Como é realizada a cirurgia?
O procedimento é realizado em ambiente hospitalar, sob técnica asséptica. Na maioria dos casos o anestesista realiza uma raquianestesia, associada à sedação (para o paciente dormir durante o ato cirúrgico). O membro inferior é então preparado, usualmente utiliza-se um garrote (manguito pneumático), para reduzir o sangramento no procedimento. Em alguns pacientes é necessário a retirada dos pelos (tricotomia) na área do joelho, feita na sala cirúrgica. A seguir, é realizado a limpeza (escovação) de todo membro inferior, e depois o cirurgião, de forma estéril, aplica uma solução antisséptica e isola o local com a colocação dos campos cirúrgicos estéreis.
Embora existam técnicas que tentam manter o ligamento nativo, chamada de reparo do LCA, o procedimento consagrado e mais realizado é a reconstrução do LCA. A cirurgia recebe este nome porque um novo ligamento é construído, a partir de um outro tecido do corpo: o enxerto. Este enxerto pode ser do próprio indivíduo (enxerto autólogo) ou transplantado de um doador cadáver (enxerto homólogo). No Brasil e no mundo, a maioria das cirurgias são realizadas com enxertos autólogos. O uso de enxerto de cadáver reduz um pouco a morbidade e o tempo da cirurgia, mas aumenta o risco de falha e da transmissão de doenças. Dentre os enxertos do próprio indivíduo, os mais utilizados são os tendões flexores (semitendíneo + grácil), o tendão patelar e o tendão do quadríceps. Existem algumas particularidades entre cada um destes tecidos que ajudam o cirurgião a escolher o enxerto mais adequado para um determinado perfil de paciente, mas todos eles costumam produzir bons resultados.
Geralmente a cirurgia inicia por uma pequena incisão para retirada do enxerto e, obviamente, a cicatriz varia de localização dependendo do enxerto escolhido. Após, realiza-se outras duas micro incisões, os portais artroscópicos, um na parte de fora (lateral) e outro na parte interna (medial) do joelho. Estes portais permitem que o cirurgião introduza o artroscópio (o aparelho com uma óptica para visualização da cavidade articular) e outros instrumentos, para a realização da cirurgia.
Após a introdução do artroscópio, faz-se uma inspeção de todas as estruturas do joelho. Ao encontrar alguma lesão meniscal ou condral (de cartilagem), geralmente elas já são tratadas neste momento. Em seguida, o LCA rompido é visualizado (FIGURA) e grande parte do seu remanescente é ressecado. É importante a identificação das inserções (footprint) ósseas do ligamento, para guiar o cirurgião a posicionar o enxerto o mais próximo da anatomia do LCA nativo. Mediante perfurações (túneis) ósseas, o enxerto é colocado dentro da articulação, na posição anatômica, e fixado nos túneis através de dispositivos como parafusos ou botões (endobottun). Após a fixação do enxerto, a mobilidade e a estabilidade são conferidas. As feridas operatórias são suturadas e é colocado um curativo estéril.
Como é a recuperação após a cirurgia?
Caso procedimentos adicionais tenham sido executados (como uma sutura de menisco ou osteotomia), a recuperação poderá variar. Na maioria dos casos o(a) paciente é mantido(a) no hospital até a manhã do dia seguinte, para recuperação anestésica e manejo da dor. Nos primeiros dias, preconiza-se o controle da dor e do inchaço, com uso de analgésicos e aplicação de compressas de gelo. Além disso, é fundamental o estímulo à musculatura das panturrilhas, para prevenir a formação de trombos nas pernas, e alguns exercícios isométricos para ativar a musculatura da coxa. Nas primeiras semanas, utilizar muletas reduz a carga no local e previne acidentes neste momento de falta de segurança no joelho. Em alguns casos, opta-se pelo uso de um imobilizador (brace de joelho). Em geral, após duas a três semanas os pontos já podem ser retirados e o protocolo de reabilitação deve ser acompanhado por um profissional fisioterapeuta e com visitas frequentes ao cirurgião.
Como é a reabilitação na fisioterapia e quanto tempo para voltar ao esporte?
A reabilitação da reconstrução do LCA é um longo processo e pode variar, quando outros procedimentos são realizados na mesma cirurgia (como uma sutura de menisco, reconstrução de outro ligamento ou uma osteotomia). Na cirurgia do LCA, o novo ligamento é reconstruído a partir de um tendão. O tendão é um tecido com propriedades biomecânicas distintas do ligamento original. A ligamentização é o processo de remodelamento biomecânico e histológico pelo qual o enxerto passa até se transformar em um tecido com características similares a um ligamento. Este processo se estende entre 6 a 24 meses, e antes que se complete, o enxerto é uma estrutura mais susceptível a ruptura. Por isso, considera-se atualmente um prazo mínimo de 9 a 12 meses antes do retorno sem restrições ao esporte.
Contudo, o tempo não é o único fator. Para que o paciente retorne em segurança, alguns outros critérios de reabilitação precisam ser alcançados. Na primeira fase busca-se recuperar a extensão do joelho, controlar o edema e ativar a musculatura do quadríceps. Após as primeiras semanas, é preconizado a recuperação da marcha normal e aumento progressivo do movimento de flexão do joelho. Segue-se com exercícios progressivos para ganho de força, equilíbrio e propriocepção, mas sempre com os cuidados necessários para proteger o enxerto. O objetivo final é a busca de simetria de força, de controle e de equilíbrio em relação à outra coxa, mensurado por testes funcionais e por aparelho isocinético (máquina que compara a força entre as duas coxas).
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